segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um intruso no meu mundinho

Por: Vanessa Cicatti

A chegada de um irmãozinho nem sempre é bem-vinda por algumas crianças. Afinal de contas, embora esteja ganhando um companheiro ou companheira, também terá seu mundinho invadido por outra criança com que terá de dividir os brinquedos, a atenção da família e o coração dos pais.
O fato é que nessa fase, a maioria das crianças sente medo, ciúme e raiva. Como lidar com isso? Com muito carinho!

Presente de grego?
Muitas crianças acham o máximo quando ficam sabendo que vão ganhar um irmão, tanto é que passam a gravidez da mãe curtindo a novidade. Mas tudo muda, quando logo nos primeiros dias percebe que aquele “sujeitinho” apresentado como o melhor companheiro do mundo só chora, não sabe brincar e, ainda por cima, rouba a atenção da mamãe e do papai o tempo todo. E o que era para ser uma coisa boa, não passa de um belo presente de grego!
Como essa situação requer muita delicadeza, conversamos com três psicólogas que nos contaram tudo sobre como ajudar seu baixinho a passar por esse “trauma” sem tantas dificuldades.
O primeiro passo para colocar essa missão em andamento diz respeito à forma como os pais contam ao primogênito sobre a chegada do novo irmãozinho. Para Ana Camila Ramalho, “não há uma maneira correta para dar essa notícia, porém a mais indicada é aquela coerente com os valores de cada família”.
Juliana Silva Slaghenauf, completa explicando que “esconder, rodear ou esperar o nascimento do bebê para dar a notícia não é a melhor opção. É importante que a criança saiba sobre a chegada do novo irmão desde o início da gestação”.
“É importante conversar com a criança com naturalidade, explicando que ela terá um irmãozinho e isso será muito bom, que a família está aumentando e que ele virá para agregar, estar junto, brincar e compartilhar coisas”, explica a psicóloga Viviane Scarpelo.

Preparando o terreno
Como a chegada desse “intruso” no mundinho da criança pode ser complexa para sua cabecinha, é importante que os pais preparem o terreno para essa mudança durante a gravidez.
Para Viviane Scarpelo, “falar sobre o irmão que está vindo é uma forma de aproximá-lo da idéia de ter mais uma pessoa na família”. Dessa forma, é legal dizer para o pequeno como será quando o irmãozinho chegar, onde ele dormirá e quais modificações ocorrerão na casa, “mas sempre colocando o irmão como mais um membro da família e dizendo que ele não vai ocupar o espaço do mais velho”.
Além disso, é interessante perguntar a opinião da criança sobre a disposição dos móveis do novo bebê, bem como comentar sobre o que poderão fazer juntos, como, por exemplo: brincar, viajar e se divertir, sempre com muita naturalidade.
Ana Camila Ramalho ressalta que é essencial que ao falar desse assunto os pais dêem exemplos que possam facilitar a compreensão da situação, afinal, para o baixinho “a idéia de um bebê em uma barriga que nem aparece é uma idéia muito vaga”.
Por essa razão, “vale comentar sobre amiguinhos ou primos que tenham irmãos, dizer que o bebê também será filho deles, assim como ele. Deixar que a criança faça as observações sobre o bebê e faça seus comentários do que é legal, do que não pode fazer com o irmão etc.”.
Para essa psicóloga, um momento muito delicado pode ser a compra do enxoval, pois a criança pode cobrar presentes para ela também. Diante disso, acredita que “é preciso explicar que o bebê precisa de tudo aquilo porque não traz nada consigo quando chega, mostrando para a criança objetos que foram dela ou fotos de como a casa era e como foi transformada para recebê-la”.
Outra dica importante: “excessos na expectativa e muita empolgação nos preparativos para a chegada do bebê pode fazer com que a criança se sinta deslocada, perdida e abandonada pelos pais. Então, cabe aos pais evitar mudanças na rotina e na vida dela para que a chegada do irmão não seja traumática. É importante “garantir” que seu lugar de filho querido e amado continua e que o bebê não significa a sua substituição”, lembra Juliana Slaghenauf.

Mas eu me mordo de ciúmes...
É muito normal que o primogênito sinta ciúmes do novo irmãozinho e ele pode manifestar esse sentimento de muitas maneiras.
“A criança pode imaginar que perdeu seu lugar para um rival porque não está agradando aos pais ou que não é mais importante como antes. A partir daí o irmão passa a ocupar o lugar de um rival”, explica Juliana Slaghenauf.
Viviane Scarpelo comenta que essas fantasias podem gerar ansiedade, angústia, medo e uma sensação constante de ameaça. Diante disso, a criança também poderá agir como se fosse um bebê, regredindo e querendo atenção só para ela, gerando problemas na escola, brigas freqüentes com outras crianças, respondendo agressivamente aos pais, se auto-agredindo etc. “É importante acompanhar a mudança do filho após a notícia da chegada do irmão. Não é superproteção, apenas um olhar mais atento para poder explicar e ajudar a criança a entender melhor seus próprios sentimentos.”
Além do ciúme, pode surgir também o sentimento de perda de atenção e rejeição e, em conseqüência disso, o pequenino pode começar a retrair-se, sofrer alterações na alimentação e no sono, chupar o dedo, voltar a fazer xixi na cama e até ficar doentinho.
É importante que os pais aprendam a lidar com os sentimentos do seu filho com naturalidade. “Aceitar os diferentes sentimentos da criança também é uma boa maneira de ajudá-la. Agora, falar para seu filho que ele não pode ter ciúme do irmãozinho pode gerar culpa e incoerência, pois a criança sente, mas não pode sentir. O mais indicado é explicar que o ciúme é natural e que na realidade a vinda do irmãozinho será algo bom”, recomenda Viviane Scarpelo.
“É fato que a atenção está dividida e a criança precisa aprender a lidar com esta nova realidade”, lembra Ana Camila Ramalho. “E se seu filho já for grandão, não ache que ele compreende a situação e por isso não vai sentir-se deixado de lado. Por essa razão, conversar com o seu anjinho é um boa pedida.”
Para Juliana Slaghenauf, a melhor forma de lidar com isso é dialogar com a criança mostrando que seu lugar não será substituído.
Além disso, “vale muito entreter ao máximo a criança nas atividades que envolvam os pais e o bebê para que o primogênito não se sinta de fora ou excluído”. Outro ponto importante ressaltado por Juliana: “evitar fazer comparações entre o pequenino e o bebê é um excelente remédio”.
Agora, se você se sente “culpada” por seu filhote estar vivendo essa confusão de sentimentos, nada de tentar compensá-lo com presentes, pois isso não vai resolver a situação. “A verdade é a melhor maneira de lidar com a situação, e isso inclui saber que a criança está brava ou chateada com você sim, mas que precisa aprender a lidar com os sentimentos, inclusive as contrariedades”, comenta Ana Camila Ramalho.

Carinho e atenção na dose certa
Nessa fase de sentimentos tão contraditórios, a criança necessita de atenção redobrada para sentir-se amada, já que em sua cabecinha aparecem fantasias do tipo “não sou mais querido pelos meus pais ou familiares” ou “fui abandonado”.
Por essas razões, é importante que, nesse momento, “os pais observem quando estão encantados pelo bebê e esquecem do mais velho”, afirma Juliana Slaghenauf.
Viviane Scarpelo recomenda que “os pais ajam com o filho como sempre agiram. Qualquer coisa em exagero é ruim, até mesmo amor demais ou superproteção”.
E devem ficar atentos, se a criança começar a apresentar sintomas de descontentamento, sentimento de ameaça, agressividade, solicitar a presença constante dos pais, apresentar dificuldade escolar etc.
Se isso acontecer, “os pais poderão conversar com o filho ou até mesmo buscar orientação de um psicólogo para que tanto eles como os filhos passem por essa fase com mais tranqüilidade”.

Para que o pequeno sinta-se mais confortável com essa situação, Ana Camila Ramalho recomenda “a ajuda de familiares e amigos para realizar atividades que não são possíveis para o casal no momento, como fazer passeios, já que o recém-nascido pouco sai de casa. Além disso, é essencial tentar não deixar de fazer aquelas coisas que ‘só a mamãe faz’, para alimentar o vínculo com a criança, que também se cria a partir de situações cotidianas”.
Contudo, ressalta que os pais devem tomar cuidado com as recompensas que querem dar ao filho por não ter mais tanto tempo para ele, principalmente quando ela for material, pois isso pode prejudicar o amadurecimento da criança. “Ela precisa vivenciar essas relações e sentimentos, e não pode entender que qualquer tristeza ou decepção se cura com bens materiais. Afinal, isso pode fazer com ela passe a exigir recompensas em outras situações que não as determinadas pelos pais.”
Enfim, administrar tudo isso nem sempre é fácil, mas com carinho e atenção na medida certa, seu anjinho vai compreender que ainda é amado e que a chegada do irmãozinho só tem a acrescentar na sua vidinha.

Informações do especialista:
Ana Camila Ramalho é formada em psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É pós-graduada em saúde mental na UNIFESP.
Consultório:
Rua Palestina, 341 – Vila Mascote – São Paulo – SP
Tel.: (11) 2503-5069
Estrada do Campo Limpo, 354 – sala 210 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 5511-7713

Juliana Silva Slaghenauf é formada em psicologia pela Universidade Ibirapuera. É pós-graduada em neuropsicologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Consultório:
Rua Otávio Tarquínio de Souza, 163 Campo Belo – São Paulo – SP
Tel.: (11) 8184-6408

Viviane Scarpelo é psicóloga formada pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). É especializada em psicoterapia de casal e família.
Consultório:
R. Frei Caneca, 1407 – cj. 210 – Cerqueira Cesar – SP
Tel.: (11) 3498-8955.

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